A flor da infância - Santa Teresinha e seu lugar na história
13.Foram-lhe, então, apresentadas algumas criancinhas para que pusesse as mãos sobre elas e orasse por elas. Os discípulos, porém, as afastavam.
14.Disse-lhes Jesus: “Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais, porque o Reino dos Céus é para aqueles que se lhes assemelham”.
Mt 19, 13-14
O Paraíso está repleto de criancinhas espirituais, pois são estas criaturas que agradam a Deus. Num período de arrogância religiosa, com doutrinas de predestinação à Salvação e Condenação - decerto influenciada por uma incompreensão do que seja a Eternidade presente no Juízo Final -, a Providência se valeu de um caso raríssimo de prodígio espiritual.
Nasce na cidade de Aleçon, em 1873, a moça Marie-Françoise Thérèse Martin, filha de uma “freira” recusada pelo convento e um “monge” igualmente rejeitado. De uma infância normal, não sofreu com guerras, miséria ou perseguições, mas não foi rica, aristocrata ou burguesa. Uma criança simples, se não fosse o seu desejo ardente de ir para o convento. Aos 14 anos, foi ver o Papa a fim de conseguir uma autorização especial para seguir a vida religiosa.
Teresa não foi uma intelectual como São Tomás, não foi mártir que nem sua Santa Joana d’Arc, nem evangelizou os quatro cantos do mundo como São Francisco Xavier, sequer teve experiências místicas como sua xará de Ávila. A doutorinha morreu com apenas 24 anos, sem nenhuma obra publicada e seu falecimento não foi digno de nota. Causa da morte: Tuberculose, um mal de seu tempo.
Foi uma menina cheia de sonhos que desabrochou na graça dos Céus. Não foi missionária, hoje é padroeira das missões. Não foi mártir, mas se tornou padroeira da França junto de Joana. Não teve uma só obra escrita, mas seu testemunho foi suficiente para figurar entre os santos doutores, sendo a mais jovem entre eles.
A flor de Lisieux exerce um fascínio singelo, até mesmo estranho, aos mais diversos tipos de espíritos. Os Santos padre Pio, madre Teresa, Pio X, Paulo VI, os escritores Manuel Bandeira, Daniel Faria e Lygia Fagundes Telles, os reacionários Antonio Oliveira Salazar e Charles Maurras, os mártires Maximiliano Colbe e Teresa da Cruz(Edith Stein), ao filósofo Henri Bergson e tantos outros demonstram uma admiração por esta jovem freira que não seria absurdo considerá-la umas das figuras mais importantes do século XX.
A historiografia tem uma tendência talvez diabólica de conferir importância somente aos algozes. Todos sabem os crimes de Hitler, Stalin, Franco, Mussolini, Mao e tantos outros carnífices. Não se trata de um vício somente da Academia secularizada, mas até mesmo dos próprios católicos. Um dos assuntos mais nauseantes é a “decadência da igreja”, o desmantelo das tradições, a infiltração maçônica ou comunista, etc. Cada vez mais, a vida dos Santos se torna apenas um adorno à apologética e não mais um dos grandes fundamentos do cristianismo.
Não se pode tampar co’a peneira os crimes do nazismo, fascismo, comunismo e tantos outros cancros políticos, mas sem o lumiar da santidade tudo será infértil e condenará, como já estamos condenados, a humanidade a mais e mais flagelos.
A sanha de uma nova humanidade, um übermensch, é a arrogância humana de recusar ser igual aos outros e é, por isto mesmo, a causa de sua ruína. Hitler morreu desesperado, Stalin vivia com síndrome de perseguição, Mussolini foi pendurado de ponta-cabeça, Gaddafi foi capturado no esgoto, Vargas se matou de pijamas e, símbolo do poder imperial contemporâneo, Napoleão morreu isolado em uma ilha no meio do nada. A mania de grandeza tem uma tendência à tragédia, enquanto a simplicidade de Teresinha a fez morrer com um cândido sorriso no rosto.
A simplicidade se entenda aqui como a constante abertura à essência divina. A mocinha de Aleçon não parecia “buscar a Cristo”, mas fazia questão de não se esconder, não temer e se abandonar aos Seus braços. Não é gritar pelo seu nome, mas ouvir o Teu chamado. Como diz o versículo: levaram algumas crianças para Jesus abençoar, os discípulos, porém, as censuravam e foi do próprio Cristo que saiu o pedido para que elas se aproximassem.
A infância espiritual, que tanto atribuem ao “pensamento” de Teresinha e a este versículo, pode ser entendida de duas formas distintas e antagônicas: de um lado, a infância é a pureza imaculada do espírito e, do outro, é a imaturidade espiritual.
A imaturidade, diferente da pureza, é por vezes torpe à alma. Alguns, em falso pretexto de inocência, chegam ao absurdo de negar o pecado como um fato de nossa humanidade. As crianças geralmente acreditam que os pais são imaculados e estão preservados pela falta de uma razão desenvolvida, mas o contrário é imperdoável. Até o pitoquinho de gente mais cândido nasceu com marca de Adão e, se não fosse isto, a confissão seria apenas uma terapia para pobre.
Já a pureza da infância é o antídoto contra pecado. Erramos contra o Pai, nos envergonhamos, e vamos, todos miudinhos, contar a besteirinha que fizemos, esperando a bronca seguida de seu perdão compassivo. Ao abstrair a dogmática religiosa e espiritual, esta pureza é a contemplação da nossa pequeneza perante ao mundo. Diferente do credo de vários metidinhos a Carl Sagan, a nossa insignificância astronômica é sublime. A cada galáxia descoberta mais belo é o mistério de nossa finitude. Precisamos ser pequenos para desejar a grandeza, mas não podemos, nunca, violá-la. Nascemos em boa terra de boas águas, a natureza trata de nos agradar mais que merecemos… mas arrogância humana, sempre quer mais e mais.
Ganhar o mundo é, no final das contas, perdê-lo. Não é possível uma nova humanidade, mas a renovação da que já temos. Reviver a alegria por sermos apenas florzinhas no jardim celeste, eis a missão de Santa Teresa do Menino Jesus.